Formulou frases agradáveis dos mais terríveis pensamentos para dizer a seu fiel terapêuta, enquanto subia o velho elevador do velho edifício roeu unhas, desta vez até o 12º andar pareceu-lhe uma infinidade, a coisa boa da vez é que não teve que cumprimentar ninguém, observou os quadros femininos de um consultório masculino, observou-se no espelho e se achou masculina num corpo feminino, estava sem maquiagem para quebrar a rotina, estava sem pudores, estava sem ninguém por perto e se dirigiu ao banheiro. Novamente adentrou o universo de sua bolsa pra procurar seu perfume francês de marca caríssima, desejava causar efeito ao adentrar no próximo universo, sem êxito apenas lavou o rosto e saiu, podia fazer isso naturalmente, pois estava sem maquiagem. Sentou-se na sala de espera e cruzou as pernas fatais , fatais pernas de mulher clássica. Folheou uma revista sem graça de moda, talvez daquele momento em diante sem graça por muito tempo. Anúncios, fotos, entrevistas, folhas, letras e pontos já não a interessavam mais em nada.
Esperou a saída do paciente anterior e não sabia se era homem ou mulher, mas que diferença isso faz se somos todos humanos? Foi o que murmurou baixinho para si mesma, seu atraso acabou sendo perdoado aos poucos enquanto esperava o tempo se dissolver em palavras íntimas de outra pessoa lá dentro do consultório, palavras tais que seriam dissolvidas antes de chegar até ela, isso a fez roer mais um pouco de unha, a voltar a pensar de forma curiosa sobre a vida efêmera, sobre a forma como Shakespeare escrevia no século XVI e sobre o divã que dividiria com aquele desconhecido (a), dividir o divã seria como compartilhar o mesmo filme dentro do cinema e não comentar sobre com a pessoa ao lado, mas dividimos tantas coisas com desconhecidos, até mesmo a cama... foi o que pensou dessa vez sem sussurrar, pois essa intimidade nem ela própria gostaria de ouvir em sonoridade.
Caminhou até a biblioteca disponível no canto esquerdo da sala de espera e abriu um livro de capa simples e branca, a primeira frase que leu..." Quem quer entender seu próprio destino precisa sobreviver a ele.", essa terrível doce frase gelou-lhe o estômago como em seu primeiro orgasmo, aquele que não foi fingido, ouviu um barulho de porta abrindo e deixou cair o sagrado livro, olhou nos olhos da paciente anterior que estava confirmado: era mulher! Mas essa não era nada clássica, sem absolutamente nada que a prendesse, nenhuma bolsa qualquer, nem mesmo um fone de ouvido, nem sequer um salto alto, e ainda por cima a cumprimentou com prazer e sorriso nos lábios sem batom, efetivamente se aproximou da porta deixando para trás apenas um imenso rastro de perfume nacional de qualidade duvidosa.
Ele, o único homem ali, o soberano e cauteloso terapêuta a chamou pra entrar na caixa de ressonância interior, enfim, o divã.
Deitou-se no divã e olhou o teto cegamente...
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