segunda-feira, 10 de maio de 2010

C. L.


Ontem ao assistir a peça "Simplesmente eu: Clarice Lispector" tive uma experiência que merece ser partilhada...
Domingo de outono, final de tarde, centro de São Paulo, mãos dadas, um passeio de namoro comum... Bem, pelo menos deveria ser.
Estar cara a cara com uma atriz realmente não é como simplesmente comer um chocolate e atirar a embalagem ao chão, é antes de tudo estar dísponivel para um encontro consigo mesma, com a arte e neste caso com a escritora mais fenomenal que se tem acesso.
A atmosfera que encontrei naquela pequena sala fez com que eu me perdesse absurdamente, sem saber quem era Clarice, Beth ou eu. Eu era Clarice Lispector em cima do palco como qualquer uma daquelas personagens! Não. Eu era o rato que Clarice ou Beth sei lá, esmagou com domínio total do corpo bem no centro do palco. Talvez eu fosse aquelas mãos que estavam lá, prontas para servir a arte como quem serve a Deus. Essa pessoa me fez pensar na confiança que Beth, que eu e que Clarice podemos ter na maior de todas as formas, sejam abstratas ou figurativas. Elas existem, as mãos pertecem.
Palavras ditas tão diretamente como o silêncio mais íntimo do último suspiro, o impulso de um orgasmo que só Deus e uma mulher pode sentir. Que só uma plateia pode escutar, a voz de um canto de ópera solitária, de uma atriz. De uma mãe ao dar a luz!
Salmos para coroar a obra prima, para emocionar o que já estava sublime, aquele instante já foi, é uma pena, é uma pena como a dor de não salvar uma mãe.
As palavras, que aqui cumprem o papel de esculturas, as imagens misturadas com os fatos, com atos, fazem todo o universo correr pelo rosto em forma e gosto de lágrimas, a sonoplastia criada de forma tão delicada me faz pensar em Platão, no contemporâneo que ali se mistura ao classico como se fosse uma dança... Um tango por exemplo.
Tento traduzir mas me sinto ucraniana, não entendo.
Beth Goulart você me fez sentir a raiva de um cachorro, uma raiva que já habita nas ruas do Brasil onde crianças morrem de fome! A raiva de ter os pincéis e tintas e não conseguir pintar.
A raiva de ter tanta coisa pra falar e dizer sempre o mesmo. A raiva que é necessária para fazer arte!
4 Mulheres em êxtase.